Diálogos: Angra dos Reis e seu patrimônio ameaçado: da “Riviera Francesa” à “Riviera Maya”, por Nathalia Carvalho

 

Neste artigo, a professora (SME/Angra) e doutoranda em Geografia (UFRJ) Nathalia Lacerda de Carvalho discute as promessas não cumpridas do Projeto Turis dos anos 1970 em comparação com as atuais promessas do informalmente conhecido como Projeto “Cancún”. Se o modelo dos anos 1970 era inspirado na Riviera Francesa (Côte D’Azur), o projeto atual flerta com a Riviera Maya (Cancún, onde a ideia de “Riviera” foi também apropriada).

“A Baía da Ilha Grande, que abrange os municípios de Angra e Paraty, teve uma parte de sua área reconhecida com o título de Sítio Misto do Patrimônio Mundial pela UNESCO. O sítio misto utiliza como critérios ser um exemplo de assentamento humano tradicional que produz uma cultura pautada na interação com a natureza e um modo de vida característico que perpassa os tempos e se mantém mesmo com mudanças estruturais nas técnicas e no espaço. Além disso, é preciso abrigar habitats naturais estratégicos para a conservação da diversidade biológica, com destaque para as espécies endêmicas. Em outras palavras, é um enquadramento da patrimonialização que valoriza a biodiversidade e a cultura como elementos interligados e destaca que a titulação se presta a conter as ameaças que podem inviabilizar a manutenção de ambos: ambientes e territórios.

Na América Latina, até então todos os Sítios Mistos envolviam uma cultura imaterial já inexistente, sob forma apenas de sítios arqueológicos. Somos os primeiros em que resiste e persiste uma cultura viva. O reconhecimento e a titulação podem ser vistos também como uma oportunidade de geração de renda a partir do território, uma vez que permitem fortalecer e financiar redes de economia solidária através de atividades como turismo de base comunitária, pesca artesanal, agricultura familiar, dentre outras estratégias que visam formas menos concentradoras e degradantes de produção de riqueza.

No entanto, apesar da boa notícia e das condições materiais ainda existentes para recebermos tal reconhecimento público, os diversos territórios que compõem Angra e Paraty seguem constantemente ameaçados por projetos de dominação das terras públicas, turismo predatório, grilagem e expulsão dos povos tradicionais. Uma lógica de produção do espaço profundamente segregatória, que concentra terras, promove especulação imobiliária e produz graves injustiças ambientais. Na esteira dessas ameaças, surgem as declarações do atual presidente da república com a proposta de querer transformar Angra dos Reis na “Cancún Brasileira” (…)”.

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Foto: Nascer do sol em Dois Rios, Camila Reis.

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