A Baía da Ilha Grande, que abrange os municípios de Angra e Paraty, teve uma parte de sua área reconhecida com o título de Sítio Misto do Patrimônio Mundial pela UNESCO. O sítio misto utiliza como critérios ser um exemplo de assentamento humano tradicional que produz uma cultura pautada na interação com a natureza e um modo de vida característico que perpassa os tempos e se mantém mesmo com mudanças estruturais nas técnicas e no espaço. Além disso, é preciso abrigar habitats naturais estratégicos para a conservação da diversidade biológica, com destaque para as espécies endêmicas. Em outras palavras, é um enquadramento da patrimonialização que valoriza a biodiversidade e a cultura como elementos interligados e destaca que a titulação se presta a conter as ameaças que podem inviabilizar a manutenção de ambos: ambientes e territórios.
Na América Latina, até então todos os Sítios Mistos envolviam uma cultura imaterial já inexistente, sob forma apenas de sítios arqueológicos. Somos os primeiros em que resiste e persiste uma cultura viva. O reconhecimento e a titulação podem ser vistos também como uma oportunidade de geração de renda a partir do território, uma vez que permitem fortalecer e financiar redes de economia solidária através de atividades como turismo de base comunitária, pesca artesanal, agricultura familiar, dentre outras estratégias que visam formas menos concentradoras e degradantes de produção de riqueza.
No entanto, apesar da boa notícia e das condições materiais ainda existentes para recebermos tal reconhecimento público, os diversos territórios que compõem Angra e Paraty seguem constantemente ameaçados por projetos de dominação das terras públicas, turismo predatório, grilagem e expulsão dos povos tradicionais. Uma lógica de produção do espaço profundamente segregatória, que concentra terras, promove especulação imobiliária e produz graves injustiças ambientais. Na esteira dessas ameaças, surgem as declarações do atual presidente da república com a proposta de querer transformar Angra dos Reis na “Cancún Brasileira”.
Leia mais em Angra e seu patrimônio ameaçado [Nathalia Carvalho ago 2020] GEBIG