Territórios e populações quilombolas e indígenas na Baía da Ilha Grande. Um olhar a partir do Censo Demográfico 2022

A publicação dos primeiros resultados do Censo Demográfico 2022 permite evidenciar uma característica importante da região da Baía da Ilha Grande, a saber a presença significativa de comunidades tradicionais, em particular das pessoas indígenas e quilombolas.

 

A Baia da Ilha Grande reúne a maioria das terras indígenas do Estado do Rio de Janeiro

Em 2022, a Baia da Ilha Grande reúne 1.428 pessoas indígenas, representando 0,6% da população total residente na região[1] (Tabela 1). Esse contingente corresponde a 8,4% do total da população indígena que vive no Estado do Rio de Janeiro. Quase a metade da população indígena da Baía da Ilha Grande vive em Angra dos Reis (49,3%) e mais de um terço em Paraty (36,3%). A presença indígena em Paraty é particularmente significativa, pois as pessoas indígenas representam 1,2% da população total do município, duas vezes mais do que a média da Baia da Ilha Grande (0,6%).

 

Tabela 1: População Indígena na Baía da Ilha grande, 2022. Fonte: IBGE, Censo 2022.

 

Outra dimensão que permite alcançar o Censo 2022 é a localização das pessoas indígenas dentro ou fora das terras indígenas (oficialmente delimitadas) (Tabela 2). Podemos observar que a Baía da Ilha Grande, mais especificamente Angra dos Reis e Paraty, concentra as únicas terras indígenas oficialmente delimitadas do Estado do Rio de Janeiro. Em Angra dos Reis, encontra-se a Aldeia Sapukai localizada no Bracuí, que, de fato, é a maior do estado, com 339 pessoas. No município de Paraty, temos a Aldeia Itaxim Guarani M’Biá em Paraty-Mirim, com 174 pessoas e a Aldeia Guarani Araponga no Patrimônio, com 26 pessoas.

 

Tabela 2: População indígena em terras indígenas (oficiais) na Baía da Ilha Grande, 2022. Fonte: IBGE, Censo 2022.

 

No entanto, a maior parte das pessoas indígenas vive fora das terras indígenas. Na Baía da Ilha Grande somente 37,7% moram em terras indígenas demarcadas, enquanto no estado essa proporção é apenas de 3,2%. Se parte dessas pessoas se espalham pelos bairros das cidades, isso se explica também pelo fato que a maioria das aldeias indígenas do estado não são demarcadas e, portanto, não contabilizadas pelo IBGE. Em Paraty, podemos citar a Aldeia Pataxó com aproximadamente 60 habitantes, a Aldeia Arandu Mirim e a Aldeia Rio Pequeno. No resto do Estado do Rio de Janeiro, podemos citar a Aldeia Mata Verde Bonita e a Aldeia Céu Azul em Maricá, ou ainda a Aldeia Pluriétnica Maracanã, no Rio de Janeiro.

 

Os territórios quilombolas da Baía da Ilha Grande significativos na escala estadual

A Baía da Ilha Grande conta também com a presença significativa de pessoas quilombolas no seu território[2] (Tabela 3). Reúne 12,5% da população quilombola do Estado do Rio de Janeiro (contra 8,4% para a população indígena). Em 2022, havia 2.544 pessoas quilombolas, correspondendo à 1,0% da população total da região. Dentro da Baía da Ilha Grande, a pessoas quilombolas são distribuídas de forma equilibrada entre os três municípios. Todavia, Mangaratiba se destaca com o maior número de pessoas quilombolas (929) e a maior proporção em relação a população total do município (2,3%).

 

Tabela 3: Pessoas quilombolas na Baía da Ilha Grande, 2022. Fonte: IBGE, Censo 2022.

 

A relevância da presença da população quilombola na região é confirmada pelas informações sobre os territórios quilombolas (Tabela 4). A Baia da Ilha Grande concentra mais de um terço (37,5%) das pessoas quilombolas em terras quilombolas do estado. No total, são 1.312 pessoas quilombolas que vivem nos territórios quilombolas oficialmente delimitados. De acordo com o Censo (Tabela 5), os quilombos Santa Rita do Bracuí em Angra dos Reis e do Campinho da Independência em Paraty são os dois maiores da região com respectivamente 613 e 610 moradores. Além desses, temos em Mangaratiba o quilombo da Ilha da Marambaia (254 pessoas) e o quilombo Fazenda Santa Justina e Santa Izabel (129 pessoas) e, em Paraty, o quilombo do Cabral com 176 moradores.

 

Tabela 4: Territórios quilombolas na Baía da Ilha Grande, 2022. Fonte: IBGE, Censo 2022.

 

Tabela 5: Territórios quilombolas da Baía da Ilha Grande, 2022. Fonte: IBGE, Censo 2022; Fundação Palmares, 2020.

 

No entanto, apenas a metade das pessoas quilombolas da Baia da Ilha Grande (51,6%) vive em territórios quilombolas. Neste aspecto, a situação é bastante heterogênea entre os municípios. Enquanto em Angra dos Reis e Mangaratiba menos de 40% das pessoas quilombolas vivem em território quilombola, Paraty se destaca nitidamente por ter a grande maioria da população quilombola vivendo em territórios quilombolas (83,9%). A presença de pessoas quilombolas fora dos territórios oficiais podem ser explicada tanto pelo avanço desigual do processo de regularização fundiária como as próprias dificuldades de sobrevivência na terra que podem dificultar a permanência. Nos dois quilombos da região que são titulados (Campinho da Independência e Marambaia), mais de 90% dos moradores são pessoas quilombolas, enquanto nos outros essa proporção fica entre 50% e 70%.  O quilombo Campinho da Independência se destaca também por seu dinamismo social, cultural e econômico (turismo de base comunitária, agroecologia) que pode favorecer a permanência nos territórios quilombolas. Um outro aspecto, de ordem técnica, é que o Censo 2022 considera apenas os territórios quilombolas oficialmente delimitados, deixando de fora da contabilização outras comunidades, como é o caso por exemplo do quilombo do Guiti em Paraty que é apenas certificado pela Fundação Cultural Palmares. Por outro lado, a relativa baixa proporção de pessoas quilombolas no total da população residente em território quilombola, como é o caso do quilombo Santa Rita do Bracuí em Angra dos Reis (54,3%), expressa também a luta dos moradores para permanência nas suas terras, cujo território é alvo de grilagem de terra, de especulação imobiliária e de conflitos estimulados pela atividade turística.

Os primeiros dados do Censo 2022 fornecem assim informações importantes e inéditas sobre a presença das comunidades tradicionais na região da Baía da Ilha Grande. Esses elementos reforçam a necessidade de se considerar essa pluralidade quando se pensa o território da Baía da Ilha Grande e a elaboração de políticas públicas.

 

Notas

[1] No Censo Demográfico 2022, a pessoa indígena é aquela que se declara indígena ou índia nos quesitos de cor ou raça ou “se considera indígena”. Esta classificação se aplica tanto aos indígenas que vivem em terras indígenas, como aos que vivem fora delas. As Terras Indígenas oficialmente delimitadas são aquelas que estavam na situação fundiária de declarada, homologada, regularizada e encaminhada como reserva indígena até a data de 31 de julho de 2022 (IBGE, 2023a).

[2] No Censo Demográfico 2022, definiu-se como quilombola a pessoa residente em localidades quilombolas que se declarou quilombola. As localidades quilombolas são compostas pelo conjunto dos territórios quilombolas oficialmente delimitados, e também pelos agrupamentos quilombolas e as demais áreas de conhecida ou potencial ocupação quilombola. Os territórios quilombolas oficialmente delimitados correspondem aos territórios com alguma delimitação formal na data de referência da pesquisa – 31 de julho de 2022, conforme os cadastros do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA e dos órgãos com competências fundiárias nos Estados e Municípios (IBGE, 2023b).

 

Bibliografia

IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo Demográfico 2022. Indígenas. Primeiros resultados do universo. Rio de Janeiro: IBGE, 2023a.

IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo Demográfico 2022. Quilombolas. Primeiros resultados do universo. Rio de Janeiro: IBGE, 2023b.

 

* Agradeço aos colegas Domingos Nobre, Diogo Marçal Cirqueira e Monika Richter pelos comentários sobre uma primeira versão desse texto.

 

 

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