Censo 2022: população e domicílios na Baía da Ilha Grande

Com a divulgação progressiva dos resultados do último Censo Demográfico 2022 pelo IBGE, o Grupo de Estudos da Baía da Ilha Grande (GEBIG/UFF) vem desenvolvendo uma série de analises que buscam fazer o retrato da região da Baía da Ilha Grande e da sua evolução nas últimas décadas. Com a publicação recente de novos dados sobre as características da população e dos domicílios é possível aprofundar as análises já realizadas e apontar alguns traços relevantes da região.

 

Dinâmica e distribuição da população na Baía da Ilha Grande

Um dos principais fatos que temos extraído das análises dos primeiros resultados do Censo para a Baía da Ilha Grande, reside na dinâmica populacional da região, em particular a interrupção do intenso crescimento populacional de Angra dos Reis (-0,1% ao ano entre 2010 e 2022 contra 3,6% desde 1991) e o dinamismo demográfico de Paraty (+1,7% ao ano entre 2010 e 2022, 8° município do estado com maior crescimento populacional).

 

Gráfico 1: Evolução da população de Angra dos Reis, Mangaratiba e Paraty, 1970-2022.
Fonte: IBGE, Censos Demográficos.

 

Essas tendências recentes são relacionadas, em parte, ao quadro econômico apresentado pela região na última década. Assim, em Paraty, de acordo com os dados da RAIS do Ministério do Trabalho e Emprego, o número de emprego formal cresceu de 74% entre 2010 e 2022, um ritmo bem superior ao conjunto do estado (6%). Da mesma forma, a redução da população de Angra dos Reis após décadas de intenso crescimento, embora leve, testemunha de uma perda de atratividade da cidade devida notadamente à crise econômica que atravessou o município durante última década. De acordo com os mesmos dados da RAIS/MTE, entre 2014 e 2020, Angra dos Reis perdeu mais de 13,5 mil empregos formais, representando na época a supressão de cerca de um terço do total de emprego formal da cidade. Essa queda do emprego derivou, a partir de 2015, do quase encerramento das atividades do Estaleiro Brasfels e da interrupção das obras da usina nuclear Angra 3, os dois maiores geradores de emprego do município, como consequência da Operação Lava Jato. Em consequência, a indústria de transformação registrou uma queda do emprego formal de 200% entre 2014 e 2010, passando de 21% do total de emprego formal de Angra dos Reis em 2014 a somente 9% em 2020. Quanto ao setor da construção, representava apenas 2,4% dos postos de trabalhos formais em 2020, contra 14% em 2011, o que corresponde a uma diminuição de quase 700% entre 2011 e 2020. Essa trajetória se reverteu a partir de 2020, com o reaquecimento da indústria naval e a retomada da construção da usina, quando se verifica a retomada da geração de emprego na cidade com a criação de um pouco menos de 10 mil postos de trabalho formais em dois anos.

 

Evolução da população por distritos entre 2010 e 2022

Os dados mais recentes do Censo 2022 divulgados pelo IBGE permitem avançar na compreensão dessa dinâmica populacional ao trazer informações na escala infra-municipal. A tabela 1 apresenta a distribuição e da evolução da população nos três municípios da Baía da Ilha Grande por distritos.

 

Tabela 1: Distribuição e taxa de crescimento anual da população por distritos, 2010-2022.
Fonte: IBGE, Censos Demográficos 2010, 2022.

 

No município de Angra dos Reis, o fato mais notável é o esvaziamento do distrito sede, que apresenta uma taxa de crescimento de -1,06% ao ano entre 2010 e 2022, correspondendo à uma perda de mais de 8 mil habitantes na década, quando o conjunto do município perdeu apenas 1,5 mil habitantes. Portanto, esses dados evidenciam uma mobilidade residencial interna ao município, ao detrimento do distrito sede, cuja participação na população total passou de 40% a 35%. Por outro lado, observa-se o crescimento significativo de população no distrito de Mambucaba, no outro extremo do município, que ganhou mais de 3 mil habitantes no período. Em termos de distribuição, quase a metade da população (46,1%) se concentra no distrito de Cunhambebe.

Em Mangaratiba, os distritos de Itacuruçá e de Muriqui são os mais dinâmicos demograficamente, pois ambos apresentam uma taxa de crescimento em torno de 1,60% ao ano, bem superior à média do município (1,06% a.a). Ao contrário, o distrito de Conceição de Jacareí registrou uma leve redução da população (-0,22% a.a).

Em Paraty, o crescimento da população registrado pelo município na última década se distribuiu de forma homogênea no território, pois todos os distritos apresentam uma taxa de crescimento semelhante, em torno da média do município. No entanto, em termos absolutos, no distrito sede, que concentra os três quartos da população, esse crescimento representa um aumento de mais de 6 mil habitantes entre 2010 e 2022, o que corresponde 70% do incremento populacional registrado no período.

 

Características da população por idade

Uma das características mais notável da população divulgada pelo Censo até agora diz respeito à idade da população. A tabela 2 apresenta o índice de envelhecimento que compara a proporção dos indivíduos de 65 anos e mais em relação a população de menos de 15 anos: quando maior for o índice, mais a população é envelhecida. Neste aspecto, a situação dos municípios da Baía da Ilha Grande é relativamente diversa. Por um lado, Paraty e Angra dos Reis podem ser qualificados de municípios jovens, com um índice de envelhecimento respectivamente de 44,6, e 49,0 em 2022, situando os municípios no terceiro e no oitavo lugar dos municípios mais jovem do estado. Nesses municípios, um quinto da população tem menos de 15 anos. Ao contrário, Mangaratiba se caracteriza por uma população envelhecida, pois apresenta um índice de envelhecimento de 75,2 em 2022, superior ao índice do estado do Rio de Janeiro. Essas características devem ser consideradas pois cada grupo apresenta demandas especificas em termos de políticas públicas, como, por exemplo, políticas de educação, de formação profissional e de trabalho para os jovens, ou políticas de saúde e de atenção a terceira idade para os idosos.

 

Tabela 2: Distribuição da população por grupo de idade e índice de envelhecimento em 2010 e 2022.
Fonte: IBGE, Censos Demográficos 2010, 2022.

 

Em relação a 2010, podemos notar um envelhecimento da população da Baía da Ilha Grande, conforme a tendência nacional observada há várias décadas e que se acelerou nos últimos anos. Assim, nos 3 municípios, os índices de envelhecimento cresceram significativamente entre 2010 e 2022, como também a proporção dos indivíduos de 65 anos e mais, ao passo que a proporção dos menos de 15 anos se reduziu de forma expressiva. No entanto, esse processo de envelhecimento da população é particularmente marcado em Mangaratiba. É ali que a proporção dos 65 anos e mais registrou o maior aumento e que a proporção dos menos de 15 anos mais diminuiu entre 2010 e 2022, evidenciando, mais uma vez, a importância dessa questão para o município.

 

Características dos domicílios

No que diz respeito as características dos domicílios, as principais informações fornecidas pelo Censo 2022 até agora são as formas de abastecimento de água do domicílio, os tipos de esgoto sanitário e o destino do lixo.

 

Abastecimento de água

A tabela a seguir (Tabela 3), apresenta para a Baía da Ilha Grande, as formas de abastecimento de água consideradas adequadas pelo Plano Nacional de Saneamento Básico, embora correspondendo à diferentes níveis de qualidade.

Desse ponto de vista, a situação dos municípios da Baía da Ilha Grande é relativamente heterogênea. Assim, se quase toda a população de Angra dos Reis e Paraty vive em domicilio com acesso à água considerado como adequado, é apenas o caso de 93,6% dos habitantes de Mangaratiba, uma proporção abaixa da média nacional (96,9%). Este município conta com uma proporção significativa da população (5,8%) cujo acesso à água é feito por captação direta em rio e córrego, forma considerada como precária por ser exposta a problemas de qualidade e de irregularidade no fornecimento da água.

 

Tabela 3: Proporção das pessoas com acesso adequado a água, segundo as formas de abastecimento em 2022. Fonte: IBGE, Censo Demográfico 2022.

 

Os dados mostram também que a principal forma de abastecimento é a Rede geral de distribuição, embora com nível diferente entre os municípios: atinge 91,2% da população em Angra dos Reis para cair à 79,1% em Paraty e apenas 62,7% em Mangaratiba. Nesses dois últimos municípios, destaca-se a importância do abastecimento de água por fonte, nascente ou mina, que representa 27,1 % da população em Mangaratiba e 20,1% em Paraty. Isto reflete a configuração geográfica particular desses municípios, compostos por vários pequenos núcleos isolados, que torna essa forma de abastecimento mais viável em relação à implantação de um único sistema de distribuição de água. Todavia, embora sendo considerado como adequado, essa forma de abastecimento de água é bastante rudimentar, muitas vezes sem tratamento de água e subdimensionado.

Assim, se globalmente a quase totalidade da população da Baía da Ilha Grande tem acesso à água, esse acesso é relativamente precário principalmente em Mangaratiba e em menor medida em Paraty. Observamos também a existência de desigualdades no acesso adequado a água na Baía da Ilha Grande entre os grupos de cor ou raça (Tabela 4).

 

Tabela 4: Proporção das pessoas com acesso adequado a água, por rede geral e fonte ou nascente, segundo a cor ou raça em 2022.
Fonte: IBGE, Censo Demográfico 2022.

 

À primeira vista, ao olhar para a proporção da população com acesso adequado à água, podemos notar poucas diferenças entre os grupos de cor ou raça. As variações mais significativas se observam para as pessoas de cor ou raça amarela, tanto em Mangaratiba onde tem maior proporção de acesso adequado, quanto em Paraty onde é o contrário. Mas desigualdades entre os grupos de cor ou raça surgem quando examinamos as diferentes formas de acesso à água. Globalmente, a proporção da população cujo domicílio é abastecido por rede geral, que pode ser considerado de maior qualidade em relação as outras formas, é maior para as pessoas de cor amarela e branca do que para as pessoas de cor ou raça preta, parda e indígena (exceto Mangaratiba). Ao contrário, para o abastecimento por fonte ou nascente, mais rudimentar, a proporção é maior entre as pessoas de cor ou raça preta, parda e indígena (exceto Mangaratiba) do que para as pessoas de cor ou raça branca e amarela. Nota-se que os resultados para as populações indígenas dizem respeito às pessoas que se declaram de cor ou raça indígena e àquelas que vivem em terras indígenas oficialmente delimitadas. Eles devem ser relativizados em Mangaratiba pois, como não existe terras oficialmente delimitadas nesse município, as pessoas indígenas vivem nos diversos bairros do município.

 

Esgotamento sanitário

A tabela 5 apresenta as condições de saneamento da população da Baía da Ilha Grande. As formas de esgotamento sanitários consideradas como adequadas pelo Plano Nacional de Saneamento Básico são a rede geral e a fossa séptica ligada a rede ou não, esta última sendo uma solução individual. Os três municípios apresentam uma proporção da população com acesso adequado à esgoto abaixo da média do estado. Na região, Mangaratiba exibe as piores condições de saneamento, com 25,2% da população que vive em domicílios com esgotamento sanitário inadequado, principalmente através de fossa rudimentar ou buraco, seguido de Angra dos Reis com 15,7% da população. e de Paraty com 12,9% da população de Paraty.

 

Tabela 5: Proporção das pessoas com acesso adequado a esgoto, segundo a cor ou raça em 2022.
Fonte: IBGE, Censo Demográfico 2022.

 

Assim como para o abastecimento de água, observamos importantes desigualdades raciais nas condições de saneamento. De novo, as pessoas de cor ou raça amarela e branca apresentam as maiores proporções de esgotamento sanitário adequado, enquanto os grupos de cor ou raça preta, parda e sobretudo indígena obtém proporções menores. Em relação as pessoas indígenas, exceto Mangaratiba onde o resultado remete ao que foi dito em relação ao abastecimento de água, a diferença observada entre Angra dos Reis e Paraty, é reveladora da disparidade das condições de moradia dessa população na Baía da Ilha Grande.

 

Destino do lixo

Enfim, no que diz respeito a coleta do lixo, direita ou indireta (por caçamba), esse serviço é quase universalizado na região (Tabela 6). A proporção da população com coleta de lixo é de 99,2% em Angra dos Reis, 99,0% em Mangaratiba e 98,5% em Paraty, taxas que são superiores à do estado como um todo. Em relação a situação por grupos de cor ou raça, diferenças continuam entre, de um lado, as pessoas de cor amarela e branca que apresentam as melhores proporções de ser atendida por coleta de lixo e, por outro lado, as pessoas de cor ou raça preta, parda e indígena que têm os piores percentuais. Todavia as diferenças são menos marcadas do que para o acesso adequado ao abastecimento de água e ao esgotamento sanitário.

 

Tabela 6: Proporção das pessoas com coleta de lixo, segundo as a cor ou raça em 2022.
Fonte: IBGE, Censo Demográfico 2022.

 

No final, as informações sobre as características dos domicílios fornecidas pelo Censo 2022 revelam que se o acesso aos serviços básicos de água, esgoto e lixo é amplamente disseminado na Baía da Ilha Grande, ele se caracteriza também por uma certa precariedade, em particular no que diz respeito ao abastecimento de água e esgotamento sanitário. Também, como no Brasil como um todo, existem desigualdades raciais no acesso a essas infraestruturas na região. Essas disparidades são, em parte, o resultado da localização geográfica dos diferentes grupos de cor e raça no território. Essa dimensão da diversidade social e geográfica das condições moradia da população poderá ser analisada com maior profundidade com a divulgação posterior dos resultados completos do Censo 2022 por setores censitários.

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